Ultimamente muito se tem falado a respeito da participação feminina nos espaços de poder, e isso nos leva a refletir sobre alguns aspectos que envolvem a questão. Antes, o domínio masculino na sociedade brasileira era visto como algo definido, indiscutível. Todavia, com a evolução do papel feminino, houve uma mudança de paradigmas, especialmente a partir da Constituição de 1988, com o princípio da igualdade ali consagrado que trouxe um reposicionamento do papel da mulher, tirando-a da condição de dependente para a de provedora, com os mesmos direitos e deveres dos homens.
Desde então, a mulher vem tomando consciência de seu real potencial, apropriando-se de sua força, e ocupando, cada vez mais, espaços de poder em todas as áreas. A essa consciência damos o nome de empoderamento. E há que se estimular esse empoderamento, pois, sem dúvida, ele consiste numa grande aquisição para a sociedade, que tem a sua força contributiva aumentada, e muito. Com efeito, um país que não consegue usufruir de todo o potencial produtivo de metade de sua população está desperdiçando recursos humanos, e, consequentemente, comprometendo seu potencial competitivo.
Com base nessa premissa é que desde 1995, com a 4ª Conferência Mundial sobre a Mulher, promovida pela ONU, a participação das mulheres nos processos de tomada de decisão política passou a ser um indicador do estágio de desenvolvimento democrático, econômico, social e cultural de um país. No poder judiciário, essa evolução também vem se processando. Mas a ocupação de cargos de poder pelas mulheres, segue, ainda, uma marcha lenta. Com efeito, hoje, no Brasil, pelo censo do CNJ, 36% da magistratura de primeiro grau são exercidos por mulheres, lembrando que em grande parte dos Estados só a partir da década de 80 é que lhes foi permitido prestarem concurso para o cargo de Juiz de Direito.
Todavia, esse percentual cai muito quando se trata da magistratura de segundo grau, algo em torno de 18 % na média nacional, e apenas 1,9% no caso de Pernambuco, situação que coloca o TJPE em último lugar em participação feminina no País.
Porque ocorre essa desproporcionalidade? Da análise de estudos feitos, conclui-se que as razões são inúmeras. Todavia, alguns aspectos são mais nítidos, como o ingresso relativamente recente das mulheres na carreira (a partir da década de 90’), a necessidade de uma maior flexibilidade da instituição judiciária quanto à natureza feminina, e por fim, mais atitude política por parte das mulheres.
Quando falo numa maior flexibilidade da instituição judiciária não me refiro a qualquer tipo de discriminação, ou de privilégio de gênero, mas de tratar de forma diferente, naturezas diferentes. Da análise do censo do CNJ observa-se que as magistradas da justiça estadual consideram que 90% têm igualdade de condições para participarem dos concursos. Todavia, quando se trata de promoção e remoção, 88% delas acreditam terem mais dificuldades que os colegas do sexo masculino, e 62% sentem-se mais atingidas pela vida pessoal. Esses percentuais indicam que a vida pessoal limita a busca de cargos de poder pela mulher, o que significa que, não obstante os avanços nesse sentido, há que se ter uma maior adequação da instituição judiciária à natureza feminina, a exemplo do que vem ocorrendo com grandes multinacionais.
Essas empresas perceberam que para conseguir que suas profissionais chegassem aos cargos de direção precisariam mudar seus paradigmas, e começaram a ver a maternidade como algo natural e essencial à humanidade, pelo que flexibilizaram a condição do trabalho feminino. O que elas não queriam era perder seus talentos.
O resultado é que mulheres que tinham que abrir mão da conquista de cargos de direção para serem mães não mais precisaram fazer essa escolha e assim, podendo exercer suas funções com mais plenitude, tornaram-se mais produtivas para a organização. O último aspecto é a necessidade de mais atitude política por parte das mulheres! Com efeito, as mulheres, culturalmente, são talhadas para serem responsáveis, todavia, são talhadas igualmente para serem contidas.
O que justifica seu alto desempenho nos concursos, e no exercício de suas atribuições, em contraposição com sua pouca participação nos cargos de poder. Cabe à mulher, pois, ter mais atitude política, lançar-se mais aos embates, às competições, aos desafios. Sair dessa contenção que a vida lhe impôs, e ir mais adiante. Isso requer, sem dúvida, não apenas preparo técnico e disposição, bem como uma postura firme, e ao mesmo tempo serena, própria de quem sabe aonde quer chegar. Assim, quando a instituição judiciária conseguir implementar medidas para ampliação da participação das mulheres nas esferas de poder, e as mulheres tiverem mais atitude política, com certeza teremos um quadro mais equânime de gênero, bem mais condizente com a democracia que vivemos.
Simone Duque de Miranda/Advogada